sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Uma noite Surreal


Eram duas da manhã e Alice não conseguia dormir, vira de um lado para o outro na cama e o sono não vinha. Levanta-se e olha ao seu redor... Cai na gargalhada ela não reconhece seu quarto, acho tudo muito engraçado. Resolve assistir um pouco de televisão pega o controle remoto e tenta uma, duas, três vezes e nada. A TV não quer ligar o controle não funciona! Ou funciona ao não funcionar? Alice se questiona, porque quer ligar a TV, o que está fazendo naquele quarto engraçado e estranho, onde ela está? Ou melhor, como ela está? Alice quer compreender como ela mesma funciona. Alice quer se iniciar quando pensa e contesta o seu próprio funcionamento. Ou seja: Alice esboça um quase-funcionamento (talvez seja assim mesmo que acaba funcionando). Mas ela não quer funcionar igual, repetir, repetir… Alice quer criar novas formas de ver, ouvir e sentir: vê, ouve, e sente: e se arrepende! Acaba esquecendo, dá uma morridinha, volta a ligar o controle que acende uma luzinha. Mas a TV não liga. Senta-se porque acaba ficando cansada. Sim, muito cansada! Contempla a TV que não liga, atira o controle pela janela e se aproxima da tela, a toca e percebe que pode entrar nela... Mais que depressa, Alice curiosa e entediada atravessa a tela. Depara-se com uma estrada, um caminho de Alice, não as ruas mornas e comuns pelas quais transita todos os dias. Mas aquele caminho ansioso, que ela quer percorrer, um caminho diferente, quase oposto, onde cria e movimenta um pequenino movimento quase inexistente, também há curvas e retornos. Abalada pelo movimento, afetada pela tentativa, ensaia respostas sobre as quais se deitam caminhos: novas questões sob a forma de estradinhas obstruídas no meio da mata virgem cheia de leões. Sim, porque Alice está numa mata e fica atormentada, coitadinha! Depois que adentrou na mata virgem, cheia de leões não é mais a mesma. Pobre Alice! Como viverá agora nesse lugar? Como lidará com os leões que encontrou ao desvirginar a mata, ao roubar sua inocência, algo dela se perdeu também. Perdeu o sentido, não sabe qual caminho irá seguir, pois cada leão veio de trilhas diferentes que se cruzam em meio a essa mata selvagem. Alice percebe que ao profanar tão densa e oponente mata, ela se mistura a ela. A mata começa a vestir o seu corpo, corpo que se transforma e fica amarrado pelas folhagens da mata. Ela quer se soltar dessas amarras, das raízes que a fixam, a impedem de se aventurar nas várias possibilidades de trajetos a desvelar. Em frente aos leões que não a atacam, mas que a observam, Alice se mexe, se retorce e aos poucos, as amarras se partem, ela é livre. Sem pensar Alice corre e entra por um dos caminhos. Cansada, pára de correr e começa a caminhar devagar e cautelosamente. Avança e se depara com um lago, se aproxima e contempla sua face. Assusta-se! Seu rosto não é mais o mesmo. Algo mudou, mas o que mudou? O rosto de Alice ou a maneira dela se olhar? O que fazer? Alice precisa encontrar uma solução, ela tem de viver com o que aconteceu. Alice se desespera, ela começa a sufocar, está muito quente, algo a queima por dentro, ela transpira, parece que vai ficar sem ar... Resolve, então, ficar nua. Em silêncio com o seu pensamento, conversa consigo mesma e com o vento em busca das respostas que não tem… De repente um rugido rompe o silencio: Alice perdida em meio ao caminho que tomou, escuta esse rugido e corre até ele. E encontra com um dos leões que a observavam. Ele está sobre o bidê, o pequenino bibelô em forma felina, ávida de caça, a espreita. Há um corredor até uma seta da luz, ela contrai intensamente as fibras do tecido do tapete sob seus sapatos e o leão está ali para devorá-la. Alice não entende mais nada, a um segundo atrás estava nua e perdida na mata, agora está vestida, mas não está mais de pijama, ela veste um vestido estampado azul-céu com florzinhas brancas. Alice se pergunta o que aconteceu. Alice mudou de cena está numa sala estranha, de paredes coloridas umas negras, púrpuras, roxas e outras cor de carne viva. Quer contar o número de paredes daquela sala, mas não consegue são tantas que seu olhar não as alcança. Todavia a sala possui pouco espaço para um movimento, como isso pode ser possível? Não há tempo para entender as paredes estão ficando encolhidas e espremem Alice, que agora esta curvada dentro da pequenina sala, se mexe se contorce e derruba o bibelô do bidê. Ela fica à mercê do leão que está à espreita. Alice vê cada imagem, mas não entende o que as peças representam – qual o sentido de cada cena? O leão vai devorar Alice? Alice seria capaz de devorá-lo. Tudo o que aconteceu lhe deu fome e muita vontade de voltar para o seu quarto por mais enfadado e sem jeito que ele seja. Alice pensa que é o fim, acabou, vai morrer ali esmagada nessa sala louca. É quando Alice ouve um ruído e vê uma luz, as paredes cessam de encolher, Alice que está agachada se vira com dificuldade e olha para trás e para seu espanto e raiva a TV agora está ligada. Alice não quer mais ver televisão se levanta e a desliga. Mas que surpresa, Alice não teve dificuldade de se levantar, olha ao redor e está de novo no seu velho e desinteressante quarto. Será que foi tudo um sonho? Houve mudanças há mais espaço entre as coisas, tudo parece estar distante, principalmente Alice. Ela está distante dela mesma, sente um vazio... Ela não quer pensar nem refletir sobre mais nada porque toda essa aventura foi estimulante, mas sofrida, ela quer se distrair. Alice liga o rádio e ouve uma canção. A canção fala sobre o espaço, ela se anima e conclui, é isso, esteve habitando por espaços diferentes por onde caminhou e se aventurou. Talvez tenha se aventurado por caminhar no escuro, nos cantos perdidos de sua alma, foi onde se perdeu e se encontrou. Sempre numa sala que leva a outra sala. Aumentando e mudando de espaço em espaço, talvez ela tenha se tornado parte dele e ele parte dela. Talvez pedaços de Alice estejam flutuando por outros quartos onde ela não dorme... Talvez.

Suélen Campos da Silva
Kim Amaral Bueno