quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Soneto



Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.

Pablo Neruda


Paínel "Malandro Amor" de Iva Tai, artista visual e poetisa, Manaus.
Disponível em:http://www.overmundo.com.br/banco/malandro-amor

A literatura e a vida


" A língua tem de alcançar desvios femininos, animais, moleculares, e todo desvio é um devir mortal. Não há linha reta, nem nas coisas nem na linguagem. A sintaxe é o conjunto dos desvios necessários criados a cada vez para revelar a vida nas coisas.
Escrever não é contar as prórpias lembranças, suas viagens, seus amores e lutos, sonhos e fantasmas".

"Mas a literatura segue a via inversa, e só se instala descobrindo sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal, que de modo algum é uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau: um homem, uma mulher, um animal, um ventre, uma criança...
(...) a literatura só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos destitui o poder de dizer EU (o neutro de Blanchot)".

" A literatura é o agenciamento coletivo da enunciação".

"A literatura é delírio e, a esse título, seu destino se decide entre dois pólos do delírio. O delírio é um doença, a doença por excelência a cada vez que erige uma raça pretensamente pura e dominante. Mas ele é a medida da saúde quando invoca essa raça bastarda e oprimida que não pára de agitar-se sob as dominações, de resistir a tudo o que esmaga e aprisiona e de, como processo, abrir um sulco para si na literatura.

"Cada escritor é obrigado a fabricar para si sua língua... Dir-se-ia que a língua é tomada por um delírio que a faz precisamente sair de seus próprios sulcos".

"O escritor como vidente e ouvidor, finalidade da literatura: é a passagem da vida na linguagem que constitui as Idéias".

Fragmentos do livro "Crítica e clínica" de Gilles Deleuze.